Monday, December 18, 2006

So quem sabe onde e Luanda saberá me dar valor...



As palavras de Gilberto Gil não poderiam ser mais exatas. Mais perfeitas.
Estou chegando a conclusão que morar em Luanda e somente para grandes aventureiros. Aventureiros que eu digo, não são aqueles que buscam emoções em uma viagem pela Europa, andando no trem da morte em MachuPichu ou aprendendo mais sobre o busdismo na Ásia, mas aqueles que conseguem romper as barreiras culturais e aprender olhando para si, para suas fraquezas. Aqueles que conseguem enfrentar seus fantasmas em um pais totalmente diferente, numa cultura que engana, que surpreende e também machuca.

Essa semana senti o preconceito na pele. Pela primeira vez em toda a minha vida.
Senti o peso que pouca quantidade de melanina tem numa sociedade negra, fechada, que ainda vive o fantasma do pós-guerra e se vê invadida por estrangeiros que buscam oportunidade de ganhar dinheiro em suas terras.
Ser branco em Luanda e aprender a ser discriminado.

Sábado resolvi sair para passear em um lugar aqui bem diferente, bem “local”.
Fui com dois amigos fazer umas compras no bairro de São Paulo. Eu, Rodrigo, o brasileiro que trabalha comigo e Bento, angolano, que foi o nosso salvador do dia.

São Paulo e um lugar onde não há brancos, não há charme, não há frescuras.
Podemos comparar esse lugar como uma das periferias da minha São Paulo.
Lá e o lugar onde as zungunzeiras se abastecem. Zungunzeiras, aquelas senhoras que vendem coisas na bacia que vai em suas cabeças pelas ruas enquanto amamentam seus filhos durante o caminhar sempre agarrados ao corpo. Essas e que são mulheres de verdade.

Paramos o carro e começamos a caminhar pela grande avenida principal do bairro. Por todos os lados lojas brasileiras, barraquinhas, esgoto a céu aberto, gente transitando enlouquecidamente entre os carros no frenético transito da cidade. Quase uma 25 de marco.

Logo nas primeiras quadras um policial nos para e pede os documentos. Estamos sem. Nossos passaportes estavam na DEFA para renovação do visto e somente a copia não era suficiente. Senti minhas mãos gelarem, tremi e me vi numa cela suja, cheia de gatunas, esperando para ser deportada. Enquanto o interrogatório acontecia, uma quantidade de policiais iam se juntando e na seqüência alguns curiosos, olhando para nos e nos rodeando como se tivéssemos roubado ou cometido algum crime.

Por um minuto vi uma cena que vivenciei alguns anos atrás na Oscar Freire, onde policiais paravam um grupo de moleques negros, os atirando nas paredes da La Perla. Eles só estavam caminhando. E da mesma forma olhamos de um jeito acusador, como se estivessem fazendo alguma coisa que interferisse no seu direito de ir e vir.

No final tudo se acertou e viemos embora tranqüilos porque havia um angolano se responsabilizando por nos, mas confesso que essa situação me deixou a pensar e avaliar as injustiças que eu possa ter cometido algumas vezes em minha vida. E lidar com isso não e nada agradável.

Penso se eu realmente preciso viver em um pais como Angola para ser uma pessoa melhor, tão diferente do meu Brasil. E cada vez mais vejo que sim.

As vezes avalio toda a situação e me sinto mal por estar perdendo poder viver mais tempo ao lado de minha família e amigos. Sinto saudades, às vezes choro. Me arrependo e lamento a distancia. Quero estar passando meus dias perto daqueles que amo. Me sinto triste, presa, sem a liberdade que eu tanto valorizo. Por outro lado vejo que se Deus podia me dar uma oportunidade realmente intensa para que eu aprendesse a lidar com meus erros e minhas fraquezas melhorando cada dia mais, ele o fez. Soube onde me colocar no momento que eu mais precisava crescer.

Por isso agradeço e queria que todas as pessoas pudessem ter essa chance de aprender a respeitar e lidar com as diferenças.
Hoje, depois de tão pouco tempo, eu sei o valor da privação, como dói olhar nosso próprio umbigo. Sei que aprender com a vivencia não e nada fácil e a gente aprende a ser mais humilde, mais simples. Hoje, se alguém me apontar um dedo na cara sem ter vivido o que eu estou vivendo aqui, não vai ter meu respeito.

Só quem sabe realmente onde e Luanda, saberá me dar valor.

Só quem é vítima de racismo sabe o quanto é ruim.

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